Coluna #5 – Longevidade
Lasse Koivisto, colunista PASA e AMS
Um dos maiores desafios da longevidade é que dependemos muito da mudança de hábitos e, ao mesmo tempo, os resultados das nossas ações e privações aparecem em grande parte apenas no longo prazo.
Então, como é possível começar a treinar se uma pessoa nunca treinou? Como priorizar o sono se isso nunca aconteceu? E como mudar uma alimentação que, por boa parte da vida, estava fora do ideal?
Já escrevemos sobre como isso começa. Começa quando ganhamos consciência e usamos a nossa liberdade para escolher sermos protagonistas da própria saúde. A meta é fazer com que a nossa honra com esse propósito pese mais do que os sentimentos do dia a dia, sentimentos que o ambiente nos empurra e que, muitas vezes, não controlamos. Frio, trânsito, stress no trabalho, falta de vontade e por aí vai.
O problema que sustentar essa honra não é fácil. A rotina puxa na direção contrária. Como então criar uma estratégia que nos ajude a implementar os hábitos que nos fazem viver mais e melhor, e substituir os que nos prejudicam? É aí que entram as boas teorias de hábitos.
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O loop do hábito e os cinco “gatilhos”
Charles Duhigg, em O Poder do Hábito, descreve o loop do hábito em três partes:
gatilho → rotina → recompensa
O gatilho aciona a rotina; a rotina entrega uma recompensa que o cérebro passa a esperar.
E, quando falamos de gatilhos, eles quase sempre caem em cinco categorias:
- Tempo (hora do dia)
- Lugar (ambiente)
- Estado emocional
- Pessoas (quem está por perto)
- Ação imediatamente anterior (um pequeno ritual)
Por isso, quando estamos querendo analisar um hábito que temos ou queremos ter, é fundamental pensar nos gatilhos que ativam ele. Do outro lado está a recompensa, que pode ser extrínseca ou intrínseca, e é crucial para aumentar a vontade de repetir o hábito.
É importante destacar duas coisas: primeiro, criar hábitos novos é diferente de mudar hábitos antigos. Segundo, a recompensa inicial precisa ser imediata. Comportamentos viram hábito quando, no começo, recebem um reforço prazeroso logo depois de acontecer. Com o tempo, a recompensa tende a migrar de extrínseca (um agrado) para intrínseca (o próprio bem-estar de ter feito).
Vamos a dois exemplos para ilustrar.
Como criar um hábito
Vamos imaginar que você queira começar a ir à academia, mas nunca teve esse hábito. É muito importante que você use o máximo de gatilhos possível, por exemplo:
- Tempo e lugar: Escolha o horário e local. Ex: “Seg–qua–sex, 7h, academia X / parque Y.”
- Ação anterior: deixar roupa e tênis prontos na noite anterior; garrafinha já cheia.
- Pessoas: combinar com um amigo(a) ou treinador. A presença de outra pessoa é um dos gatilhos mais fortes.
- Emoção/ritual: Use algo que te coloque no clima. Ex: Ouça uma música, tome um café logo antes e etc. Algo que você sabe que te dá um gás.
E defina uma recompensa imediata de antemão, por exemplo: tomar um banho com calma, tomar aquela água de côco gelada, 10–15 minutos de leitura leve, marcar um X visível no calendário ou deixar verde no TrainingPeaks. O cérebro precisa entender: “faço → ganho algo agora”. Depois de algumas semanas, a recompensa interna aparece (energia, humor, sensação de progresso) e o agrado externo pode diminuir. Nessa hora entra no piloto automático, por isso pense bem na recompensa.
Comece pequeno e concreto. Se é corrida: 3×/semana, 15–20 minutos confortáveis. Se é musculação: 2–3×/semana, 30–40 minutos cobrindo movimentos básicos. No início, o objetivo é aparecer. Conforme a presença vira automática, aí sim aumente duração ou carga. O Peter Attia comenta que, para aguentar treino aeróbico leve (Z1/Z2) na bicicleta que ele acha muito chato, ele sempre escuta um dos três podcasts de que mais gosta — a recompensa.
Como trocar um hábito ruim
Para hábitos antigos que você não quer mais, a ideia não é acabar com eles, e sim substituir a rotina mantendo o mesmo gatilho e uma recompensa parecida. Ou seja, trocar o miolo do ciclo (gatilho → rotina → recompensa). Vamos imaginar que você quer parar de tomar refrigerante:
- Mapeie o loop atual: “Depois do almoço (lugar + ação anterior), tomo refrigerante (rotina) e sinto alívio/energia/agrado doce (recompensa).”
- Insira uma nova rotina que entregue algo próximo dessa recompensa: água com gás e limão ou chá gelado sem açúcar. Teste até achar o que realmente “bate”.
- Ajuste o ambiente: se você toma em casa ou no trabalho, não compre nem estoque refrigerante. Você usa força de vontade por poucos minutos no supermercado pra não comprar e fica sem acesso direto ao refrigerante durante a semana toda.
- Planeje o “se/então”: “Se eu terminar o almoço e desejar um refri, então vou pegar água com gás.”
- Trate recaídas como dados, não como culpa. Pergunte “o que faltou?” (recompensa fraca? gatilho mal coberto?) e ajuste o plano. Lembre do nosso artigo sobre sono: a falta de sono aumenta o risco de recaídas.
Por que é tão difícil? E como facilitar
Boas decisões de saúde pagam dividendos no longo prazo, mas o cérebro decide no curto. Na prática, vale fabricar pequenos reforços imediatos, usar gente de confiança como âncora social, transformar presença em um jogo simples que você consegue “vencer” toda semana e mexer no ambiente para facilitar o certo e dificultar o errado. Decisões tomadas na noite anterior, quando a cabeça está fria, protegem sua vontade para o dia seguinte; sono e alimentação minimamente organizados evitam depender de força bruta. E, quando escorregar, o que separa tentativa de construção é não deixar um dia ruim virar dois: volte no dia seguinte, sem drama. Never miss twice!
No fim, hábito é engenharia de contexto com recompensa no curto prazo até que o próprio fazer fique prazeroso o bastante para se sustentar sozinho. Em outras palavras, virar protagonista da saúde implica ser um cientista de si mesmo, testando gatilhos e recompensas até achar o que funciona para você.
Lasse Koivisto é membro da Healthy Longevity Medicine Society e mentor de diversas startups. Em 2020, iniciou um estudo aprofundado sobre longevidade e, recentemente, deu início ao projeto Alpha Origin, no qual publica semanalmente artigos que têm como propósito ajudar as pessoas a viverem mais e melhor na newsletter Longevidade News.
Em 2025 se tornou o primeiro colunista dos canais de comunicação das operadoras de saúde PASA e AMS em uma parceria para trazer mais informações aprofundadas e seguras para nossos beneficiários.